Os alertas que a quarta onda de covid-19 na Europa traz ao Brasil e ao resto do mundo

Os alertas que a quarta onda de covid-19 na Europa traz ao Brasil e ao resto do mundo

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Especialistas comentam piora do cenário da pandemia em países como Áustria e Alemanha 

As notícias da Europa servem de alerta para o Brasil e o mundo. O confinamento imposto aos não vacinados na Áustria, em vigor a partir desta segunda-feira (15), e a possibilidade de retomada do teletrabalho na Alemanha por meio de projeto de lei, medidas que despontam em meio à piora dos índices da pandemia, devem forçar autoridades a repensar o afrouxamento de restrições e incentivar a imunização. Na sexta (12), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu advertências ao Brasil no Boletim Observatório Covid-19, incluindo preocupação com parte da Ásia Central.  

Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, aponta os níveis semelhantes de imunização completa das populações em discussão (59% no Brasil, 63% na Áustria e 68% na Alemanha), mas destaca que aqui a campanha começou depois. 

— Nesses países europeus, houve imunização há mais tempo, então tem uma diminuição das defesas (do organismo, com a gradual queda na eficácia das vacinas). Eles também ainda têm uma taxa de imunização menor em relação a jovens, uma parcela da população que circula muito — observa Kuchenbecker. 

A suspensão de medidas não farmacológicas, como uso de máscaras e liberação de eventos com grande público, são fatores cruciais para entender o panorama atual. 

— Certamente, foram determinantes para esse recrudescimento — pontua o professor. 

Trata-se da quarta onda da covid-19, que envolve também a Holanda e nações do Leste Europeu, lembra o infectologista Julival Ribeiro, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) no Distrito Federal — onde já houve dispensa do uso de máscaras ao ar livre e, inclusive, considera-se a ampliação para outros ambientes. 

— O Brasil está indo muito bem em relação à covid-19, mas isso não impede que tenhamos esse problema no futuro — avisa Ribeiro. 

Imunidade coletiva

A “tão sonhada” imunidade coletiva, tempos atrás, era prevista para quando a cobertura vacinal atingisse cerca de 70% da população, com base no histórico de outras doenças. O surgimento de variantes do sars-cov-2 como a Delta, mais transmissível, deixou o objetivo mais distante de ser alcançado — hoje em dia, fala-se em 90% de cobertura vacinal para contenção da pandemia. 

— O coronavírus tem características muito próprias. A população tem que se vacinar e observar, por um bom período de tempo, um baixo número de mortes para se falar em imunidade coletiva. É um vírus desconhecido, temos que ficar atentos. A Europa está servindo de exemplo para o resto do mundo — alerta o infectologista. — Mesmo as pessoas totalmente vacinadas podem adquirir o vírus e ficar sem sintoma algum. Nenhuma vacina é 100% eficaz, nem no Brasil, nem no mundo — complementa. 

Para quem foi vacinado há mais tempo e está recebendo a terceira dose, há de se avaliar por quanto tempo esse reforço será suficiente. Ribeiro cita também os imunossuprimidos, pessoas com deficiência no sistema imunológico, como transplantados ou doentes de câncer, que já estão aptos a receber a terceira injeção no Brasil. Há ainda a vacinação das crianças, que nem começou. Todas essas questões não são simples, afirma o médico. 

— Não podemos ser intempestivos. Estamos muito bem na vacinação e precisamos manter as medidas preventivas — diz o membro da SBI. — Se não fosse o governo ter atrasado a compra de vacinas, já poderíamos ter 80% da população vacinada — lamenta.  

Kuchenbecker, que não acredita numa replicação do quadro europeu no Brasil — pelo menos não logo —, faz referência a essa demora como uma possível “vantagem” na avaliação do momento. Em torno de 70% dos brasileiros já receberam pelo menos a primeira dose, o que dá um tom otimista a previsões para mais adiante: há muita gente a ser completamente imunizada. 

— Isso diminui o nosso risco, mas o risco existe. As experiências da Inglaterra, da Áustria e da Alemanha são uma demonstração clara de que, na perspectiva das variantes do vírus, temos que praticar taxas de imunização cada vez maiores. Isso é um desafio se considerarmos o movimento antivacina e a dificuldade progressiva de utilização de máscaras. O Brasil não tem elementos para que essa realidade de lá se verifique rapidamente aqui, mas temos que olhar sempre no curto, no médio e no longo prazo — reflete o epidemiologista.  

Flexibilizações exigem atenção 

O professor da UFRGS também menciona a falta de dados epidemiológicos suficientes para que se possa ter menor rigor em medidas como relaxamento do uso de proteção facial.  

— Não temos ainda uma demonstração clara e inequívoca de como o vírus se comporta com uma cobertura vacinal elevada. O que faz o vírus parar de circular: muita gente vacinada, muita gente usando máscara e cada vez menos pessoas suscetíveis — elenca Kuchenbecker, que segue:

— Precisamos pensar o seguinte: as vacinas reduzem a transmissão em cerca de 50%. Os outros 50% são distanciamento e uso de máscaras. As infecções novas não caíram o suficiente, não temos uma sistemática, e nunca tivemos, de identificação de novos casos e rastreamento de contatos para colocá-los em quarentena. Estamos sempre nos baseando nas internações e nos óbitos — acrescenta. 

À frente, o Brasil tem inúmeros desafios, como o período de férias de verão e das festas de final de ano, com suas consequentes concentrações de público. A elevação da temperatura no hemisfério sul pode ser um complicador maior do que o frio do hemisfério norte — a replicação do coronavírus não aumenta com o frio. A maior ameaça dos termômetros em baixa é a tendência de as pessoas se reunirem em espaços sem ventilação adequada.  

— A pandemia, além de ser o maior experimento natural que a humanidade sofreu, é a demonstração clara de que não mudamos comportamentos só tendo acesso a informações. Mudamos comportamentos por imitação. Em um país como o nosso, se as lideranças não lideram pelo exemplo, isso tem um impacto muito particular — frisa o médico do HCPA.

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