Ibovespa tem baixa de 6,6% em setembro, pior queda mensal desde março de 2020: cenário negativo vai continuar?
Em mês marcado por tensão política e crises sucessivas na China a Bolsa tem sua maior baixa desde o crash do coronavírus.
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SÃO PAULO – O Ibovespa fechou em queda nesta quinta-feira (30) e aprofundou as perdas no mês de setembro, que totalizaram 6,57%, o que tornou este mês o pior do benchmark desde março de 2020, quando o índice despencou 29,9% no auge do crash do coronavírus.
Este mês foi marcado por uma série de fatores negativos nacionais e internacionais. A começar pela crise dos Três Poderes, que teve como momento de ânimos mais elevados as manifestações de 7 de setembro, que resultaram em uma queda de 3,78% no dia seguinte.
Depois que os ânimos foram apaziguados no dia 9 com a intervenção do ex-presidente, Michel Temer, com a famosa carta em que o presidente Jair Bolsonaro fazia acenos de paz ao Supremo Tribunal Federal (STF), o noticiário externo logo passou a ser fonte de preocupações, primeiro com a crise da incorporadora chinesa Evergrande e depois com a alta nos rendimentos dos títulos do Tesouro americano de 10 anos e com a crise energética chinesa.
“O debate sobre a retirada de estímulos nos Estados Unidos poder acontecer ainda esse ano esquentou e os juros de 10 anos do tesouro americano – que são praticamente balizadores do mercado – aumentaram 18,7%, chegando a 1,56%, o que afetou negativamente as bolsas em geral”, afirmam Felipe Nascimento, economista-chefe da InvestSmart, e Sara Paixão, assistente de pesquisa e conteúdos da mesma empresa.
Os economistas acreditam que o dólar pode se fortalecer nos próximos meses se persistirem os problemas da China.
Por outro lado, eles enxergaram como positivos os dados das contas públicas divulgados ontem. “O setor público consolidado registrou este mês um superávit de R$ 16,7 bilhões, 1,29% do [Produto Interno Bruto] PIB. Para noção de comparação o valor é bem próximo aos R$ 18 bilhões a mais da verba a mais para o novo Bolsa Família (Auxílio Brasil)”, aponta a equipe da InvestSmart.
Hoje, o Ibovespa sofreu baixa na esteira do desempenho das bolsas americanas, que tiveram em setembro seu pior mês em meio a preocupações com a inflação, com o setor imobiliário chinês e com a crise de energia na China e em países europeus. O Dow Jones caiu 1,59% a 33.843 pontos, o S&P teve queda de 1,19% a 4.307 pontos e o Nasdaq recuou 0,44% a 14.448 pontos.
Apesar do dia negativo, foi bem recebida a notícia de que o Congresso americano aprovou o projeto de lei que impede a a suspensão abrupta dos serviços federais no país, o chamado “shutdown”, por paralisação nos investimentos.
O Ibovespa fechou em queda de 0,11% a 110.979 com volume financeiro negociado de R$ 34,028 bilhões.
No câmbio, o dólar comercial encerrou o pregão em alta de 0,29% a R$ 5,446 na compra e a R$ 5,446 na venda. No mês de setembro a moeda dos EUA teve uma valorização de 5,3% ante o real. O dólar futuro com vencimento em outubro, por sua vez, operava com ganhos de 0,39%, a R$ 5,439 no after-market.
Já no mercado de juros futuros, o DI para janeiro de 2022 teve alta de um ponto-base a 7,19%, DI para janeiro de 2023 subiu sete pontos-base a 9,19%, DI para janeiro de 2025 avançou oito pontos-base a 10,27% e DI para janeiro de 2027 teve variação positiva de nove pontos-base a 10,66%.
Ainda nos Estados Unidos, os pedidos contínuos por seguro-desemprego vieram pior do que o esperado, com 362 mil pedidos, ante 351 mil da semana anterior. A projeção Refinitiv era de 335 mil pedidos.
Já o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA cresceu à taxa anualizada de 6,7% no 2º trimestre de 2021 em relação aos três meses anteriores.
Aqui no Brasil, o Banco Central revisou suas previsões para inflação, que deve encerrar o ano em 8,5% segundo estimativas da autoridade monetária. O BC reiterou mensagem da ata do Copom obre a intenção de subir a Selic novamente em 1 ponto na reunião de outubro. No exterior, crescem as expectativas de que o Federal Reserve (o banco central americano) aperte a política monetária nos próximos meses.
“O relatório reforça que o BC está pronto para colocar o juro onde for necessário, de forma a fazer convergir a inflação para a meta. De acordo com as projeções, a Selic em 8,5% parece ser o piso para o encerramento do ciclo. Dessa forma, haveria espaço para um nível de juro ainda mais alto. Não alteramos nossa projeção de Selic em 8,25 em 2021 e de 8,75 em 2022”, diz.
Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou taxa de desocupação de 13,7% no trimestre fechado em julho. O dado foi melhor do que o esperado. A expectativa mediana do consenso Refinitiv era de taxa de desemprego de 13,9% em julho.
Na Ásia, os mercados fecharam no pior desempenho trimestral desde o início da pandemia, em meio ao noticiário negativo da incorporadora chinesa Evergrande e com dados mais fracos da atividade chinesa.
Trimestre complicado
Não foi um trimestre fácil para a Bolsa brasileira, que perdeu mais de 15 mil pontos no período. Ainda em julho, o Ibovespa chegou próximo dos 130 mil e em setembro, tocou os 107 mil pontos. A queda foi motivada por uma combinação de fatores internos e externos que não deu descanso ao investidor.
Ainda em julho, foi apresentada a proposta do governo para a segunda fase da reforma do Imposto de Renda, trazendo um ponto que atingiu em cheio o mercado acionário: a taxação dos dividendos, que, atualmente, são isentos de tributação. “Muita gente ficou de fora da Bolsa esperando essa proposta se consolidar”, lembra Pedro Secchin, sócio da Golden Investimentos.
Para piorar, o andamento de reformas estruturais foi prejudicado por uma crise de relacionamento entre os poderes, que chegou ao auge com as manifestações do dia 7 de setembro.
Ainda em Brasília, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid agravou o ruído político e a questão fiscal voltou à baila, com extensão do auxílio emergencial e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios.
“A preocupação fiscal pesou, com a insegurança de que o governo adote um viés mais populista, a medida que as eleições vão se aproximando”, afirma Enrico Cozzolino, analista da Levante Ideias de Investimentos.
A escalada da inflação continuou e o Banco Central respondeu com alta de juros. A Selic começou o trimestre em 4,25% e terminou setembro a 6,25%. Para os analistas, a elevação de dois pontos percentuais trouxe descontos para a Bolsa. “Taxa de juros tem um efeito bastante nocivo para a Bolsa. Você reduz o valuation das empresas e cria custos de oportunidade para o investidor ficar na renda fixa”, afirma Secchin.
E a autoridade monetária sinaliza que o ciclo de alta de juros ainda não terminou. A escalada da inflação continua, com pressão extra dos combustíveis e dos custos de energia, com escassez de chuvas e risco de apagão. A crise energética, aliás, é um problema que ganhou dimensão global, com escassez de gás na Europa e de carvão na China. O governo chinês quer descarbonizar sua economia a poucos meses das Olimpíadas de Inverno em Pequim, obrigando indústrias, incluindo dezenas de siderúrgicas, a interromperem suas atividades.
“As indústrias chinesas vêm reduzindo o consumo de minério-de-ferro e a gente vê impacto direto em ações da Vale”, afirma Peterson Silva, estrategista de alocação da Ébano Investimentos. Do lado chinês, ainda teve a crise da Evergrande, segunda maior incorporadora chinesa e que por pouco não decretou falência, deixando os investidores receosos com um risco de contaminação.
Baixa visibilidade daqui para frente
O quarto trimestre de 2021 começa com um adicional de incertezas. A situação fiscal dos Estados Unidos entrou no radar dos investidores, enquanto o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, dá sinais cada vez mais fortes de que o período de estímulos à economia está próximo do fim. Isso significa que uma alta dos juros pode estar próxima, assim como a compra de títulos públicos poderá acabar em breve. “Nos Estados Unidos, a preocupação com a inflação vai ser cada vez mais importante”, afirma Cozzolino, da Levante.
“As expectativas de curto-prazo continuam sendo de volatilidade. Temos baixa visibilidade sobre o futuro e continuamos com todos esses fatores pesando sobre as ações”, diz Silva. Para o estrategista, é importante o investidor focar em empresas de maior qualidade, capazes de apresentar crescimento em um cenário desafiador e evitar companhias que tenham maior exposição ao custo de energia, como as indústrias.
“Também vale alocar em empresas com menor dependência do mercado doméstico e maior exposição ao mercado internacional, pois elas aproveitam o excesso de liquidez que os estímulos econômicos injetaram nas economias”, afirma.
Amauri Silva, assessor de investimentos da PHI Investimentos, acredita que o viés do quarto trimestre é negativo, com uma série de questões que não devem ser resolvidas no curto prazo. “Na incerteza de cenários como esse, é necessário resiliência, revisão de estratégia e alocar apenas em ativos com perspectiva boas independente do cenário. Mantendo um bom caixa e aproveitando quedas mais expressivas para complementar o portfólio”, afirma.
Para Pedro Secchin, a Bolsa está barata, mas a dúvida é sobre quando o mercado vai voltar a andar. Segundo ele, o quarto trimestre também pode definir nomes que vão disputar a eleição presidencial do ano que vem e um candidato da chamada “terceira via” poderá ajudar a destravar os negócios.